Sobre a

Professora

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Eu poderia me apresentar apenas disponibilizando o link do meu Lattes, pois é assim que nós, professores, fomos ensinados a fazer, exibindo para a sociedade a nossa intelectualidade.

No entanto, achei melhor falar sobre onde tudo isso começou.

Nem sei exatamente quando comecei a ensinar.

Lembro vagamente que meus pais, jovens e sempre muito dedicados aos trabalhos sociais na igreja evangélica, tradicionais trabalhadores com jornada de 44 horas semanais, contavam com o apoio fofinho e pernambucano da minha avó Adélia, uma baixinha invocada, semi analfabeta, que não entendia nada das letras, mas sabia tudo sobre a vida.

No meio das diversas espécies de árvores frutíferas, pintinhos e cachorros espalhados por aquele amplo quintal, o balanço de madeira na árvore e a confecção de bonequinhos de manga e palitos de dente, nosso passatempo preferido era abrir todos os livros herdados e espalhados pela casa (desde enciclopédias gigantes sobre como as plantas poderiam curar, até grossos livros preparatórios para concursos largados pelos primos que estavam começando a vida). E conforme eu aprendia a ler, por volta dos 5, 6 anos, quando já não eram apenas as figuras que faziam sentido, era para ela que eu ensinava tudo o que eu aprendia na escola.

Pouco tempo depois, descobri naquela ampla estante de madeira carcomida por cupins uns caderninhos do Mobral pouco utilizados, e a minha avó ganhou o posto oficial de minha primeira aluna. Ela aprendeu a escrever o nome completo e fazia contas como ninguém (até porque eu tinha interesses pessoais em ganhar comissões nas vendas de ovos caipiras, filhotes de raça e plantas medicinais que ela vendia).

Na escola, eu era CDF (hoje em dia chamam de Nerd), sentava na primeira fileira e argumentava fervorosamente com os professores quando tirava 9,5. Desde cedo, eu entendia o valor de estudar, um sentimento embalado pelos hinos do cantor cristão que minha avó sabia cantar de cor, mas não sabia encontrar no hinário, e pelas vezes em que ela foi enganada por clientes desonestos por não saber calcular o troco.

Até o ensino médio, o muro estava lá, não me perturbava, pois eu precisava estudar tudo o que minha avó não havia estudado, eu precisava absorver cada oportunidade que ela não tinha tido, eu me encaixava o máximo que podia naquela escola de classe alta, mesmo sendo de família humilde (explico: minha mãe trabalhava na escola, e eu, como filha de funcionária, tinha bolsa integral). Mas aí… chegou a tão sonhada faculdade.

As expectativas estavam altas, muito esforço para passar no vestibular de uma instituição pública, primeiros dias de aula… chocada! Exceto por um ou outro professor contado nos dedos, a maioria se arrastava atrás de seus pesados óculos, engessados por uma emenda, enfadonhos com aquela rotina, enrijecidos pela máquina que funcionava dentro daquele muro.

E em uma dessas hecatombes tediosas, pontuadas por cochilos, decidi ali, em uma das aulas mais enfastiantes dos primeiros anos da faculdade, que eu seria professora.

Obviamente, pelo histórico aqui já debulhado, não havia dúvidas de que eu seria uma professora diferente daqueles jurássicos que encontrei ao longo de todo o meu percurso.

Então, já faz um bom tempo que pulo esse muro com os alunos. E nesse ir e vir, meus joelhos já se arranharam algumas vezes durante os saltos, mas acredito que tenho muitas histórias boas e inspiradoras para contar.

Quem sabe você não se arrisca a pular esse muro comigo também?